Consulados Exigem Documento "Vexatório" para Conceder Visto de Entrada
Por JOSÉ PINTO DE SÁ
O processo de concessão de vistos de entrada nos consulados-gerais de Portugal nos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) há muito que suscita o descontentamento dos requerentes. Entre os documentos exigidos figura um termo de responsabilidade que já foi considerado "absurdo", "vexatório" e prejudicial ao bom relacionamento entre os povos.
Um cidadão dos PALOP que deseje deslocar-se a Portugal em visita turística deve apresentar, além do passaporte válido e da passagem aérea de ida e volta, um documento do seu local de trabalho comprovando que está empregado e que a autoridade patronal tem conhecimento que vai ausentar-se do país. Mas além destes procedimentos, não incomuns, tem ainda que anexar um termo de responsabilidade emitido por um cidadão português, acompanhado do atestado de residência deste, ambos com a assinatura reconhecida em notário.
Ainda assim, muitas pessoas queixam-se de que, depois de produzidos todos estes documentos, amiúde o visto é recusado sem motivo aparente. Só resta então apresentar um pedido de reapreciação do pedido de visto, com uma declaração garantindo que não pretende permanecer em Portugal e que tem familiares e emprego no seu país. Quaisquer explicações sobre uma eventual recusa de reapreciação são endossadas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa.
A correr para o consulado-geral de Portugal em Maputo, na avenida Mao Tsé Tung, tem andado Sónia Chamba, moçambicana, casada e mãe de filhos, com emprego estável e registo criminal limpo. Durante dois anos juntou dinheiro para concretizar o sonho de umas férias em Portugal, incluindo uma saltada aos Açores. No continente, ficaria alojada em casa de uma prima cujo marido, cidadão português, se prontificou a redigir o termo de responsabilidade.
A 15 de Junho Sónia Chamba apresentou no consulado-geral todos os documentos exigidos, mas viu o seu pedido de visto indeferido. Quando procurou explicações, a funcionária disse-lhe apenas que o pedido fora recusado porque "a vinda a Portugal não tinha em vista a visita a nenhum familiar directo".
Sónia Chamba solicitou logo de seguida a reapreciação do seu pedido e o consulado informou-a que o processo seguiu para Lisboa, via fax, no dia 28 de Junho. No sentido de acompanhar o processo, o subscritor do termo de responsabilidade, José Mora Ramos, contactou o sector de vistos do MNE, em Lisboa, no dia 1 de Julho, mas foi informado que o pedido de reapreciação não chegara a Lisboa. Até ao fecho desta edição, ainda não obtivera resposta.
José Mora Ramos, investigador coordenador do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, não se conforma com todo este procedimento. Os seus protesto incidem primeiramente sobre o próprio termo de responsabilidade, cuja minuta reza: "Eu, (...), abaixo-assinado, de nacionalidade portuguesa, portador do BI (...) , declaro para os devidos efeitos que me responsabilizo pela estadia e alimentação de (...) (parente, amigo ou outro ), de nacionalidade (...) , residente em (...) , portador do passaporte (...) , durante o período até 90 dias em que tenciona permanecer em Portugal, bem como pelo seu repatriamento".
Mora Ramos entende que os termos do documento são "vexatórios para o cidadão moçambicano e absurdos para o cidadão português que o assina", como foi o seu caso. E refere que já teve que subscrever termos de responsabilidade semelhantes para "viabilizar" as férias em Portugal de outros amigos moçambicanos, incluindo professores universitários, empresários e até um dirigente da Federação Moçambicana de Futebol.
Conforme disse, actualmente "muitos moçambicanos que desejam vir a Portugal preferem fazer a sua entrada por outro país do espaço Schengen, para evitar o vexame" de ter que pedir a alguém que subscreva tal documento. José Mora Ramos, que visita frequentemente Moçambique, considera que a exigência do termo de responsabilidade causa "imenso mal estar" naquele país. Na sua opinião, "o efeito do dito papelote e a prática de relação" com os utentes negros no balcão consular em Maputo "sobrepõem-se a todas as manifestações públicas de boas relações entre países".
Revoltado, exprimiu o seu descontentamento numa carta ao secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros. "Não lhe reconheço, a si nem a ninguém dos seus serviços, o direito de recusar a entrada no meu país a uma amiga minha, a menos que para tal invoque razões de Estado e dessas razões me informe devidamente", escreveu José Mora Ramos àquele membro do governo. Aguarda resposta.
in Público