os meus pais souberam do 25 abril numa festa em moçambique. conta o meu irmão que, de repente, a festa se tornou silenciosa e sorumbática. o meu pai ficou sério. a minha mãe chorava sentada a uma mesa, preocupada com a minha tia, sem perceber o verdadeiro significado daquele golpe militar, que em poucas horas derrubara um regime de décadas.
por essa altura, a minha tia trabalhava em s. josé, enfermeira bonita e competente, um pouco triste por uma história de desamor e engano. nesse dia cumpriu o horário até ao fim, e depois entregou-se às ruas de lisboa em festa, vermelhas e brancas, como os cravos que distribuiam nas ruas. a minha tia comunista, que em 1978 foi à união soviética em viagem e de lá trouxe as imagens da neve e do comunismo que marcou a nossa infância. as tardes de fim de semana eram passadas em cima da cama dela, a olhar as fotografias de uma moscovo branca e panfletária, cheia de manisfestações de verdadeiros cidadãos soviéticos crentes no sistema. a neve branca, que eu e a minha irmã nunca pisáramos, tornava o vermelho das bandeiras mais vivo e as caras do lenine e do estaline mais impressionantes. os postais dos palácios de leningrado e os slides das imponentes estações de metro moscovitas preencheram o nosso imaginário infantil, lado a lado com as desventuras da heidi, a vida despreocupada do franjinhas e as invenções do professor baltasar. e a minha tia ali, no meio do branco e do vermelho, de lenço vermelho com bolas pretas, ao lado da conceição anselmo, a sorrir para a fotografia, também ela crente no comunismo, feliz, bonita, competente, magrinha, mas sempre marcada por uma história de desamor e engano.