quarta-feira, novembro 10, 2004

o almoço

ontem fomos almoçar os três ao restaurante onde o meu pai vai todas as segundas. estes momentos combinam-se rapidamente com uma simples troca de emails, por isso não entendo a raridade da coisa. devíamos almoçar, pelo menos, uma vez por mês. faz-nos falta contar as histórias do dia-a-dia enquanto nos servimos de um pouco mais de arroz branco ou tiramos outra colher de caril. falamos sobre tudo e sobre nada, somos interrompidos pelos empregados do restaurante, também eles goeses, que perguntam pelo paizinho e nos desafiam a ir goa. já fui a goa duas vezes, explico-lhes: uma vez com os pais, outra vez sozinha. a conversa corre solta e, inevitavelmente, discorrem sobre as histórias do joão, do diogo, da madalena e da beatriz. creio que lhes disse que estou a pensar em engravidar para o próximo ano, depois das férias, ter um manelinho pequeno, redondo e falador. rapidamente, damos-nos conta que pedimos a mais mas o meu irmão descansa-nos. continua a comer e, enquanto come, limpa as gotas de suor que se formam pela testa, nariz, bochechas. só para nos impressionar, cobre as duas últimas garfadas de arroz e chouriço goês com um molho laranja vermelho, cheio de sementinhas, que escorre óleo, cheira bem, uma labaredazinha de fogo que torna a comida ainda mais escandalosamente picante. faz isso para nos impressionar, para nos ver a abrir a boca, para nos ouvir exclamar "ó roberto!", as mesmas expressões de há quinze anos, quando insistia em comer uma malagueta inteira. nunca percebi se ele fazia isso porque gostava mesmo ou se era apenas para nos gozar... no fim, depois de mastigar aqueles mini-pimentinhos verdes e vermelhos, olhava-nos divertido e dizia "tão bom! não queres experimentar?".

de raros que são, estes nossos almoços correm velozmente por entre o meio dia e meia e as duas horas. chegam ao fim depressa demais para meu gosto. nunca falamos sobre nós, das nossas tristezas, das nossas preocupações. não perguntamos se estamos bem ou mal, se temos algum problema, se queremos ajuda. não é preciso. sabemos tudo, ou quase tudo, uns dos outros. não é necessário perguntar ou dizer o que quer que seja porque somos irmãos, filhos do mesmo pai, criados pela mesma mãe e a mesma tia, nascidos no mesmo país, com vidas diferentes mas sempre paralelas, que se cruzam em casas, memórias e momentos.

sei, de experiência própria, que sou capaz de compreender e perdoar coisas nos meus irmãos que nunca vou conseguir entender e desculpar em quaisquer outras pessoas, por pior que isso seja. e a este sentimento irracional, incontornável, inigualável e absoluto se chama amor.