Por POR CATARINA GOMES
Sexta-feira, 17 de Outubro de 2003
A pobreza em Portugal estacionou. Embora os bairros de barracas tendam a desaparecer da paisagem nacional, poucas alterações houve no perfil da pobreza e o fenómeno está longe de ser erradicado: um em cada cinco portugueses (cerca de 21 por cento da população) é pobre e os idosos pensionistas continuam a ser o grosso do problema. Os imigrantes e as minorias étnicas são novas categorias de pobres em forte expansão - o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, uma iniciativa das Nações Unidas, é assinalado hoje.
"Se há matéria na qual Portugal apresenta um bloqueio importante em relação aos seus parceiros europeus, é precisamente o da pobreza", defende Luís Capucha, sociólogo do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), especialista na área da pobreza e exclusão social.
Com políticas como o Rendimento Mínimo Garantido, o crescimento do salário mínimo acima dos níveis de inflação, o aumento das pensões mais baixas e o Programa Nacional de Luta Contra a Pobreza, Portugal conheceu uma diminuição da taxa de pobreza na segunda metade da década de 90: em 1995, 23 por cento de portugueses tinham um rendimento inferior ao limiar de pobreza (cerca de 350 euros); desde 1998 até 2000 (o dado mais recente) estacionou nos 21 por cento. Ainda assim, seis pontos acima da média europeia, indicam os dados do Eurostat publicados este ano.
Mas o que se esconde detrás dos números? A visibilidade dos novos pobres aumentou - com o grupo dos imigrantes e minorias étnicas -, mas é a pobreza tradicional que continua a marcar a sociedade portuguesa. Cerca de 30 por cento dos pobres portugueses são idosos pensionistas, cerca de sete por cento são empregados de baixo rendimento, duas categorias de pessoas que passam dificuldades pelo atraso estrutural que continua a caracterizar o país, refere Luís Capucha. As pensões de reforma e o nível de salários encontram-se abaixo do nível de pobreza, reforça Alfredo Bruto da Costa, presidente do Conselho Económico e Social, mas os níveis de privação dos mais pobres têm-se atenuado com as novas medidas sociais, defende.
Ao mesmo tempo, os processos de modernização trouxeram "um grupo de pobres em forte expansão", comenta Luís Capucha: às minorias étnicas tradicionais (ciganos e africanos lusófonos) juntam-se agora um novo grupo de minorias étnicas, acrescenta Rogério Roque Amaro, investigador do ISCTE, autor de "A luta contra a pobreza e a exclusão social em Portugal". Este fenómeno mais recente povoa, sobretudo, espaços urbanos e suburbanos degradados e tem tendência a criar novas tensões sociais, sublinha.
O processo de modernização trouxe também mudanças ao nível das estruturas familiares: as famílias monoparentais femininas são outra categoria em crescimento, têm pouca formação e dificuldades acrescidas para entrar no mercado de trabalho. Em todos os indicadores de pobreza, as mulheres tendem a ser mais vulneráveis do que os homens, refere Luís Capucha.
"Peças de xadrez"
Ao mesmo tempo, a forma como se pretende fazer face ao problema da pobreza nem sempre é a mais indicada. Rogério Roque Amaro cita o mau exemplo dos processos de realojamento em Portugal. "Continuam a fazer-se com base em critérios técnicos e não sociais", o que ajuda a agravar os problemas das zonas desfavorecidas, defende. Os erros do passado repetem-se: as zonas de realojamento continuam a ser estigmatizadas por letras que denunciam a falta de identidade dos locais ("N1, B2...") e, acima de tudo, ignora-se todo o trabalho social feito nos locais de barracas e transferem-se as pessoas apenas de acordo com a correspondência entre as tipologias de apartamentos (T1, T2, T3) e as dimensões das famílias. Resultado: quebram-se todas as redes de vizinhança e associativismo e desenraízam-se as pessoas. Não é, portanto, de estranhar que algumas pessoas digam que se sentiam mais felizes nos locais onde estavam, em barracas, do que nos novos blocos onde são depositados, comenta Roque Amaro. A melhoria aparente das condições de habitabilidade dá lugar à degradação dos ambientes sociais e ao aumento do estigma destes espaços.
No realojamento de pessoas oriundas de bairros-problema pretende-se muitas vezes apenas dispersar, "a salada russa sem critérios", sem dar ouvidos aos técnicos no terreno, dá lugar, por exemplo, à transferência para o mesmo local de grupos rivais, que nos seus locais tinham os seus territórios de tráfico de droga, e ao aumento de violência. "Tratam-se as pessoas como peças de xadrez".
"Estes processos são decisões de gabinete" envoltas em secretismo com receio de aumentar as reivindicações das populações, reforça Roque Amaro. Persiste o espírito de que se lhes está a ser feito um favor e não se insiste na participação quando o protagonismo e participação das populações é essencial, em obediência a recomendações de organismos internacionais, como forma de dar direitos, mas também deveres e responsabilidades, conclui.
"Se há matéria na qual Portugal apresenta um bloqueio importante em relação aos seus parceiros europeus, é precisamente o da pobreza", defende Luís Capucha, sociólogo do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), especialista na área da pobreza e exclusão social.
Com políticas como o Rendimento Mínimo Garantido, o crescimento do salário mínimo acima dos níveis de inflação, o aumento das pensões mais baixas e o Programa Nacional de Luta Contra a Pobreza, Portugal conheceu uma diminuição da taxa de pobreza na segunda metade da década de 90: em 1995, 23 por cento de portugueses tinham um rendimento inferior ao limiar de pobreza (cerca de 350 euros); desde 1998 até 2000 (o dado mais recente) estacionou nos 21 por cento. Ainda assim, seis pontos acima da média europeia, indicam os dados do Eurostat publicados este ano.
Mas o que se esconde detrás dos números? A visibilidade dos novos pobres aumentou - com o grupo dos imigrantes e minorias étnicas -, mas é a pobreza tradicional que continua a marcar a sociedade portuguesa. Cerca de 30 por cento dos pobres portugueses são idosos pensionistas, cerca de sete por cento são empregados de baixo rendimento, duas categorias de pessoas que passam dificuldades pelo atraso estrutural que continua a caracterizar o país, refere Luís Capucha. As pensões de reforma e o nível de salários encontram-se abaixo do nível de pobreza, reforça Alfredo Bruto da Costa, presidente do Conselho Económico e Social, mas os níveis de privação dos mais pobres têm-se atenuado com as novas medidas sociais, defende.
Ao mesmo tempo, os processos de modernização trouxeram "um grupo de pobres em forte expansão", comenta Luís Capucha: às minorias étnicas tradicionais (ciganos e africanos lusófonos) juntam-se agora um novo grupo de minorias étnicas, acrescenta Rogério Roque Amaro, investigador do ISCTE, autor de "A luta contra a pobreza e a exclusão social em Portugal". Este fenómeno mais recente povoa, sobretudo, espaços urbanos e suburbanos degradados e tem tendência a criar novas tensões sociais, sublinha.
O processo de modernização trouxe também mudanças ao nível das estruturas familiares: as famílias monoparentais femininas são outra categoria em crescimento, têm pouca formação e dificuldades acrescidas para entrar no mercado de trabalho. Em todos os indicadores de pobreza, as mulheres tendem a ser mais vulneráveis do que os homens, refere Luís Capucha.
"Peças de xadrez"
Ao mesmo tempo, a forma como se pretende fazer face ao problema da pobreza nem sempre é a mais indicada. Rogério Roque Amaro cita o mau exemplo dos processos de realojamento em Portugal. "Continuam a fazer-se com base em critérios técnicos e não sociais", o que ajuda a agravar os problemas das zonas desfavorecidas, defende. Os erros do passado repetem-se: as zonas de realojamento continuam a ser estigmatizadas por letras que denunciam a falta de identidade dos locais ("N1, B2...") e, acima de tudo, ignora-se todo o trabalho social feito nos locais de barracas e transferem-se as pessoas apenas de acordo com a correspondência entre as tipologias de apartamentos (T1, T2, T3) e as dimensões das famílias. Resultado: quebram-se todas as redes de vizinhança e associativismo e desenraízam-se as pessoas. Não é, portanto, de estranhar que algumas pessoas digam que se sentiam mais felizes nos locais onde estavam, em barracas, do que nos novos blocos onde são depositados, comenta Roque Amaro. A melhoria aparente das condições de habitabilidade dá lugar à degradação dos ambientes sociais e ao aumento do estigma destes espaços.
No realojamento de pessoas oriundas de bairros-problema pretende-se muitas vezes apenas dispersar, "a salada russa sem critérios", sem dar ouvidos aos técnicos no terreno, dá lugar, por exemplo, à transferência para o mesmo local de grupos rivais, que nos seus locais tinham os seus territórios de tráfico de droga, e ao aumento de violência. "Tratam-se as pessoas como peças de xadrez".
"Estes processos são decisões de gabinete" envoltas em secretismo com receio de aumentar as reivindicações das populações, reforça Roque Amaro. Persiste o espírito de que se lhes está a ser feito um favor e não se insiste na participação quando o protagonismo e participação das populações é essencial, em obediência a recomendações de organismos internacionais, como forma de dar direitos, mas também deveres e responsabilidades, conclui.
in Público