há três anos atrás morria a minha avó felicidade, numa cama de hospital, num pavilhão alto e frio. morria sem noção, morria sem vida. definhava.
tenho o nome da minha avó no meu nome. faz parte de mim, da minha identidade para mim e para os outros. descobri, depois da morte dela, que a sua avó por parte da mãe também era felicidade. foi uma surpresa bonita, sonhei logo em ter uma neta também chamada felicidade.
chamava-se felicidade mas não foi muito feliz. só em criança, no monte, no alentejo caiado e quente, com os seus pais e os seus sete irmãos, todos rapazes. não foi feliz com o meu avô, o josé. foi uma mãe dura mas permitiu à minha mãe e à minha tia serem quem são, e como são maravilhosas! foi uma avó terna e distante enquanto o meu avô viveu. depois tornou-se opressora e impositiva quando passou a viver connosco.
só descobri o quanto gostava dela muito tempo depois de ela morrer. repeti a mesma frase que a ouvi dizer na sua cama asséptica de hospital, no dia antes de morrer. tenho fome. disse-a em voz alta, nua ao lado do manel, depois de fazer amor. disse-a e imediatamente desatei a chorar. e nesse momento senti a sua perda, percebi a sua ausência. não digo mais esta frase. não gosto de a ouvir ressoar dentro da minha cabeça. faz-me chorar. como uma frase tão simples pode ser tão esmagadora...?
avó, tenho os teus lenços no fundo da minha gaveta. são das coisas mais preciosas que tenho em casa.
felicidade. tenho-te no meu nome por isso nunca te vou perder.